sexta-feira, 21 de março de 2008

Perdidos no labirinto

Sócrates, Menezes, Alberto João Jardim. Estão todos perdidos no labirinto, mas há quem o esteja, para já, mais do que os outros. Comecemos então por esse: é Luís Filipe Menezes, mas não é só ele – é ele e o partido a que preside, o PSD. Porque mais populista, autoritário, caciquista ou disparatado que Menezes seja – tal como os adversários internos apregoam –, ele apenas reflecte a imagem do partido que o elegeu ainda recentemente e por maioria confortável para líder.

Menezes chegou ao poder partidário não apenas porque Marques Mendes, apesar de levado ao colo pela aristocracia laranja e a maioria dos comentadores políticos, se mostrou completamente incapaz de ser convincente e credível para encarnar uma alternativa ao Governo socialista. Menezes chegou aí porque essa aristocracia partidária, fina e civilizada, essa nata que constantemente se reclama das origens genuínas, nobres, ditas sociais-democratas, do PSD, não quis avançar no momento da última batalha de Mendes, evitando sujar as mãos e pensando apenas em preservar-se para um combate mais confortável, quando a queda a prazo de Sócrates e da maioria absoluta do PS desimpedisse o caminho.

É muito bonito fazer agora declarações solenes, nas quais antigos secretários-gerais se mostram indignados com o golpe de Menezes na revisão dos regulamentos internos, incluindo o pagamento das quotas em dinheiro para poder arregimentar as hordas anónimas dos militantes. Mas talvez fosse mais coerente, mais consequente, se aqueles que hoje mostram horror perante o suicídio partidário se tivessem dado conta oportunamente de que o PSD arruinara já os seus créditos e a sua reputação quando Durão Barroso fugiu para Bruxelas e entregou as chaves do castelo a Santana Lopes.
É óbvio que o actual espectáculo é sumamente degradante e que os sinais de desvario da liderança laranja se multiplicam todos os dias, até culminar agora numa burlesca operação de marketing para mudar as cores e os símbolos do partido. Quando a casa ameaça ruir sob os nossos pés, a preocupação maior dos residentes é renovar a pintura.

Mas aquilo que parece definitivamente patético é o diagnóstico – de resto certeiro, de Menezes – sobre o futuro político do país: o PS já não merece governar mas o PSD não está ainda preparado para fazê-lo. Como declaração sincera de impotência política tem, desde já, o lugar reservado numa antologia de frases célebres.

Acontece, porém, que essa frase corresponde à realidade actual da situação do país. Se Menezes parece definitivamente perdido no labirinto partidário, Sócrates mostra-se já perdido no labirinto do país. E se o não está no seu partido é porque, esse, se encontra reduzido à condição de múmia paralítica.

O porta-voz socialista, Vitalino Canas, com o seu inconfundível perfil de agente funerário, decretou que, depois de todas as coisas boas feitas pelo Governo – e, pelos vistos, foram rigorosamente todas – o PS não vai perder tempo a reflectir sobre as más – obviamente inexistentes, ou mero produto de ínvias ‘agendas da contestação’ que, segundo Vitalino, conviria interpretar. Mas interpretar por quem? De que modo? Com que tradutor contratado (já que para o PS está tudo perfeitamente bem)?

Sócrates perdeu-se num labirinto sem saída aparente porque a sua obsessão em demarcar-se do seu tutor espiritual, António Guterres, e em não arrastar os pés como ele, conduziu-o a uma necessidade de afirmação reformista onde – como agora também vemos em França com Sarkozy – o gesto seria tudo e a reflexão nada.

Pensar, reflectir, medir os passos a dar, estabelecer a pedagogia e os métodos adequados para realizar eficazmente as reformas – e torná-las compreendidas pelo país –, tudo isso seria apenas tempo perdido, um sinal de fraqueza a que o voluntarioso e inabalável primeiro-ministro não poderia ceder. A ideia feita de que uma boa reforma é sempre uma reforma impopular pressupunha uma relação sado-masoquista entre o reformador e o destinatário das reformas, gozando um o prazer de aplicar a dor e o outro a delícia mórbida de sofrê-la.

Daí resultou um percurso errático, atabalhoado, semeado de desencontros e sucessivas contradições, medidas e decisões improvisadas ou até levianas (como a que deu origem à saga do novo aeroporto). Simultaneamente, ostentou-se um desprezo belicoso face aos próprios destinatários e agentes das reformas, como aconteceu com os professores e sucedera na Saúde. Ora, por este caminho, a própria necessidade das reformas numa sociedade bloqueada como a nossa vê-se hoje comprometida e refém das resistências corporativas. É o efeito boomerang, o feitiço contra o feiticeiro – para continuarmos a ter um país indefinidamente adiado.

É claro que Sócrates se pode gabar de que, face ao suicídio programado pelo maior partido da oposição, a sua vantagem ainda confortável nas sondagens lhe garante a inevitabilidade de uma nova vitória eleitoral. Mas essa é a ilusão maior de quem se perdeu no labirinto, porque se baseia no perigoso vazio da vida política e do próprio regime democrático com que hoje nos confrontamos.

Resta, enfim, o último perdido no labirinto. Alberto João Jardim acaba de reafirmar solenemente (mas, na sua boca, toda a solenidade faz sorrir) a decisão de abandonar o poder em 2011. Mesmo que, desta vez, se acredite nele, como é possível vislumbrar uma saída do labirinto autocrático que, ao longo de trinta anos agora consumados, Jardim foi criando na Madeira? Não há delfins nem oposição minimamente credíveis, depois do deserto que ele fez alastrar – na política ou na vida social, económica e cultural da região, onde a autonomia se tornou a caricatura grotesca de uma ditadura pessoal e de um regime de caciques que enriqueceram à sombra de um império de betão.

Se Jardim sair de cena é porque terá percebido que ele próprio se perdeu num labirinto ingovernável. E, no entanto, ele não deixará de pairar sobre esse labirinto desértico como um fantasma – um fantasma nostálgico do seu poder e das ficções fatais que alimentou durante três décadas

por Vicente Jorge Silva (Sol)

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