quinta-feira, 14 de maio de 2009

Cândida Almeida recusou duas vezes investigar Freeport

Pinto Monteiro criticou em Fevereiro paragem na investigação, mas o processo não foi avocado mais cedo por decisão da directora do DCIAP

O processo Freeport esteve duas vezes em apreciação no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e por duas vezes a directora, Cândida Almeida, devolveu o dossier ao procurador do Montijo. Apesar de,desde o início, estarem em causa eventuais crimes económico-financeiros, só à terceira apreciação, a "complexidade" do caso justificou que fosse chamado à esfera do departamento especializado e que dispõe de mais meios.

Cândida Almeida, que já era directora do DCIAP quando se iniciou a investigação, não quis comentar ao i as razões de não ter chamado a si o processo mais cedo, remetendo explicações para a Procuradoria-Geral da República. Feito o pedido nesse sentido, numa resposta escrita a PGR apenas confirma que "o processo foi solicitado duas vezes para consulta pelo DCIAP". Mas não são dados quaisquer esclarecimentos para o facto deste departamento não ter assumido a investigação mais cedo. "O processo está em segredo de justiça, não sendo possível prestar qualquer outra informação", remata a curta resposta. Não são, sequer, confirmadas as datas em que foram feitas as consultas.

Numa das apreciações, Cândida Almeida pediu a dois magistrados que dessem a sua opinião. Pelo menos um deles, entendeu que o caso tinha "todas as características para continuar no DCIAP". Pela natureza dos eventuais crimes em causa - corrupção (activa e passiva), tráfico de influências, branqueamento de capitais e participação económica em negócio. E também porque o procurador do Montijo não dispunha nem dos recursos técnicos nem de disponibilidade para se dedicar a tempo inteiro à investigação. Recorde-se que, desde que foi entregue, o processo tem dois titulares, Vítor Magalhães e Paes de Faria.

Em Fevereiro, o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, lançou críticas à investigação, originando reacções da PJ. "Foram feitas mais diligências nestes 15 dias do que em quatro anos", afirmou Pinto Monteiro, depois de comentar que a partir de 2005 o processo ficou "praticamente parado".

Fonte do Ministério Público salienta, contudo, que "se a investigação não acelerou mais cedo, em último caso, a responsabilidade é partilhada pela hierarquia do Ministério Público, que teve oportunidades de avaliar a complexidade do caso e não o avocou mais cedo".

O timing das diligências causou polémica desde que, com o regresso do Freeport à agenda mediática, o primeiro-ministro se queixou de estar, pela segunda vez, a ser alvo de uma campanha negra. A investigação ao caso Freeport iniciou-se em Outubro de 2004 e as primeiras notícias, de 2005, foram publicadas em plena campanha eleitoral.

Enquanto o PS questiona o novo fôlego da investigação à entrada de ano com três eleições, há no Ministério Público quem faça outra interpretação: que o processo poderá não ter sido avocado mais cedo numa tentativa de que se fosse arrastando rumo à prescrição, até que "as solicitações das autoridades inglesas pressionaram a intervenção". No espaço de poucos meses, realizaram-se três reuniões com a polícia britânica para troca de informações.

Fonte da PJ assegura, contudo, que a investigação "nunca esteve parada". Salientando que cada diligência é registada e datada, afirma ser "algo factual, que se verifica no processo e que não se presta a interpretações opinativas".

Foi exactamente para desvanecer todas as dúvidas que, a 9 de Fevereiro, o Conselho Superior do Ministério Público determinou uma averiguação para confirmar se a Polícia Judiciária e o Ministério Público "realizaram as diligências de investigação que se impunham". Foi entregue a Pinto Monteiro a missão de recolher os elementos. Até agora, não foram divulgadas conclusões.

Testemunha As críticas internas à actuação de Cândida Almeida no processo Freeport avolumaram-se depois do caso das alegadas pressões imputadas a Lopes da Mota, presidente da Eurojust, unidade europeia de cooperação judiciária. Segundo foi relatado aos conselheiros a 3 de Abril, no plenário do Conselho Superior do Ministério Público, Vítor Magalhães e Paes de Faria teriam comunicado à directora do DCIAP as conversas mantidas com Lopes da Mota. Cândida Almeida, contudo, não terá comunicado esse relato ao procurador-geral.

No inquérito conduzido pelo inspector Vítor Santos Silva e que anteontem foi convertido em processo disciplinar, Cândida Almeida foi ouvida como testemunha. O i questionou esta responsável sobre se mantém a convicção de que não houve interferências ilegítimas e de que os procuradores investigam o caso com total independência, mas a directora do DCIAP recusou comentários, lembrando estar sujeita a sigilo.

in diário "i - informação"

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