A PROPÓSITO DO REFERENDO DE DIA 11 DE FEVEREIRO E DA MORAL QUE TEIMA EM QUERER SER REFERENDADA
Faz dez anos que muitos de nós, não fomos votar, convencidos do consenso maioritário sobre esta questão. Não vamos tornar a contribuir para esta confusão. De um país contraditório, que toma como crime público a interrupção voluntária da Gravidez e que tem pudor em penalizar quem o comete!
O primeiro passo é ir votar para que o referendo expresse de forma clara o que o país pensa sobre a Matéria. É fundamental ir votar e em consciência. Vote-se sim ou vote-se não.
Todo o desvio para questões de índole moral é falacioso.
Em Portugal, todos os anos cerca de 20 000 mulheres recorrem ao aborto e à luz da lei vigente são criminosas.
O que está em causa neste referendo é tão-somente a descriminalização do acto de interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas. Não se vai referendar onde o povo português pensa que se inicia a vida. Ou o que é que se entende por vida. Ou se há vida num óvulo e num espermatozóide, e se eles devem ser entendidos como património do estado. Se a vida começa na fecundação, se durante a gestação ou no momento do nascimento. Ou se um embrião mal formado, ou fruto de uma violação é “menos vida” que um embrião bem formado. Ou se o consenso científico, que afirma não haver cérebro nem sensação até às 24 semanas de gestação, é importante para a questão. Nada disto está em causa neste referendo. O referendo pergunta apenas se se deve considerar crime a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas de gestação.
Apesar do esforço destas questões, elas não entram neste referendo. O que agora é importante e urgente, porque fundamental à luz da lei, é discutir, opinar e resolver o drama do aborto-crime-clandestino, que se vive num país que se quer desenvolvido e que continua a não conseguir condições (educacionais e de segurança, de trabalho e de forma geral de qualidade de vida), discriminando uma parte importante da população mais exposta.
Venha nesse contexto toda a moral. Debelem-se todos os dramas sociais da humanidade. A fome, a miséria, a guerra. Emprenhe-se toda a humanidade nessa missão. E todas as Igrejas do Homem. Mas não se use o referendo para perpetuar a miséria escondida, fazendo de uma acção que pode ser clínica (acompanhamento, ou mesmo interrupção), uma questão metafísica, supostamente moralizante, afirmativamente dogmática. Na lei Portuguesa o Aborto é um crime público. A mulher que o comete intenta contra o Estado.
Se o Sim for expressão da vontade do País ninguém é obrigado a contrariar a sua convicção. Se pelo contrário Portugal votar Não à descriminalização, continuará tudo na mesma. O aborto clandestino permanecerá, alimentando a economia paralela e as fortunas de quem se faz pagar pelo risco que corre. Como de resto é característico de qualquer negócio escuro. As raparigas e mulheres com menos posses continuarão a recorrer a veterinários, curiosos ou mesmo à auto-mutilação como forma de tentar resolver por si o que a hipocrisia e o relaxe de todos teima em não querer decidir, escondendo este drama na clandestinidade. Fingindo que não existe. O Não, pura e simplesmente finge que o aborto não é problema, pois não dá saídas realistas para esta chaga social. Condena ao desacompanhamento, ao desamparo e por vezes a uma má opção muitas mulheres e jovens portuguesas.
O Sim permitirá um acompanhamento adequado às mulheres tentadas em interromper a gravidez. Algumas poderão inflectir a sua opção, ajudadas na ponderação da sua decisão. O Não fecha a porta a qualquer acompanhamento concreto, remetendo para o campo dos valores intangíveis de uns, as realidades incompreendidas de outros.
O Sim permitirá acabar com um grave problema de saúde pública. O acompanhamento especializado, em local apropriado evitará o peso desnecessário sobre o sistema de saúde de todas as mulheres que todos os anos entram nos hospitais ou falecem após tentativa de aborto.
O Sim permitirá o conhecimento real e mensurável das causas de aborto, pelo conhecimento das mulheres que a ele recorrem. Conhecer as causas concretas é fundamental para resolver as situações onde incide este flagelo.
Por último, o referendo para a descriminalização ou criminalização do aborto até às 10 semanas é também uma questão de Género. Se o Não passar incide-se na discriminação continuada da mulher. Onde se encontra na lei a responsabilidade do homem que fecundou? De que forma é chamado à responsabilidade? Até onde vai a responsabilidade de todos nós, que fazemos este País, neste acto que ainda é crime público e que, por consequência, acarreta punição?
Ultimamente tem sido consensual, entre os convictos do Sim e os convictos do Não, que a mulher não deve ser punida por ter interrompido a Gravidez durante as primeiras 10 semanas. Mais confusão! Mas então porque não votam todos no SIM em conformidade com essa opinião? Ou será possível decretar um crime e não legislar o castigo correspondente? Não é tão só essa a questão que vai a referendo? Não se alcança a dúvida. A não ser que radique apenas numa convicção profunda, abstracta, feita em Dogma e por isso de difícil argumentação, afirmando uma qualquer razão, que alguns homens dizem, erradamente, de Deus.
Aos cristãos e católicos.
Apesar de não ser a igreja que vai a referendo, a sua voz é importante porque é ouvida. A igreja é um factor importante na sociedade portuguesa.
Sou cristão e posso escolher. Mas não tenho o direito de julgar nem condenar porque não sou omnisciente. Nem concedo à hierarquia da igreja católica o direito de se substituir a Deus. Até porque o que vai a referendo, torno, não é a Igreja católica nem o seu papel Social. Independentemente dos Dogmas eclesiásticos sobre a vida, ou propaganda sobre o altar. Jesus não era grande frequentador dos Templos. Correu mesmo com os vendilhões que se apropriavam do espaço sagrado. Não deixou que apedrejassem Maria Madalena. Hoje Santa. A lei canónica a que alguns padres se referem foi feita pelos homens. O Deus em que muitos acreditam quer a libertação dos homens e a construção de um mundo melhor. Não quer a dor a miséria, o castigo a fome e a guerra. Quer a ética sentida e consciente e não a moral feita de Dogma, de culpa e obrigação. Empenhe-se a igreja activamente nesta árdua tarefa de melhorar o mundo de amanhã, feito hoje de tanta miséria e fome, e não na substituição de Deus, julgando e condenando em vida ao “ Apedrejamento” legal, tantas mulheres.
Será consensual entre todos os católicos que fazem a Igreja a posição da Igreja católica sobre a interrupção voluntária da gravidez quando fruto de violação? Ou quando põe em causa a vida da mãe? Ou quando por desígnio que escapa, o feto é malformado? A ela, mãe, e à sua família cabe em primeira instância a tomada de decisão. Se a mãe, de forma consciente, quiser levar por diante uma gravidez que ponha em causa a sua vida, há que respeitar a sua opção. Se quiser ter o filho sabendo-o deficiente, tomando-o como responsabilidade suprema, respeite-se e admire-se. Afinal o que seria deste mundo sem todos os deficientes, mentais ou físicos por nascença? Mas até aqui a decisão, fundamentada em valores, fé ou outros desígnios compete à família e à mulher, centro desta decisão. Nada disto vai a referendo. Contudo, se o Sim representar a maioria da população, todas estas situações estarão consignadas.
Neste referendo não está em causa a perspectiva católica sobre a vida lato senso. Está em causa a descriminalização da interrupção da gravidez até às 10 semanas, por decisão voluntária da mãe, após período de reflexão.
O Sim abre todas as possibilidades. Não obriga ninguém a abortar. Pelo contrário compromete-nos a todos neste flagelo e ao Estado, que somos todos, na procura real de soluções. Não é por ser descriminalizado até às 10 semanas que o número de abortos aumentará. Poderá porventura aumentar a face visível deste flagelo. E aí, somos todos chamados a não fazer como Pilatos. Tenhamos todos, homens e mulheres, a coragem de nos comprometer no próximo domingo.
falamos aqui sobretudo da sua história, das suas gentes, dos seus recantos, das personalidades, das políticas, dos seus governantes, dos problemas, das soluções, do seu futuro mas também do país e do mundo.
este é um local de encontros e desencontros mas sempre numa óptica de partilha, respeito, liberdade e responsabilidade.
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A PROPÓSITO DO REFERENDO DE DIA 11 DE FEVEREIRO E DA MORAL QUE TEIMA EM QUERER SER REFERENDADA
Faz dez anos que muitos de nós, não fomos votar, convencidos do consenso maioritário sobre esta questão. Não vamos tornar a contribuir para esta confusão. De um país contraditório, que toma como crime público a interrupção voluntária da Gravidez e que tem pudor em penalizar quem o comete!
O primeiro passo é ir votar para que o referendo expresse de forma clara o que o país pensa sobre a Matéria. É fundamental ir votar e em consciência. Vote-se sim ou vote-se não.
Todo o desvio para questões de índole moral é falacioso.
Em Portugal, todos os anos cerca de 20 000 mulheres recorrem ao aborto e à luz da lei vigente são criminosas.
O que está em causa neste referendo é tão-somente a descriminalização do acto de interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas. Não se vai referendar onde o povo português pensa que se inicia a vida. Ou o que é que se entende por vida. Ou se há vida num óvulo e num espermatozóide, e se eles devem ser entendidos como património do estado. Se a vida começa na fecundação, se durante a gestação ou no momento do nascimento. Ou se um embrião mal formado, ou fruto de uma violação é “menos vida” que um embrião bem formado. Ou se o consenso científico, que afirma não haver cérebro nem sensação até às 24 semanas de gestação, é importante para a questão. Nada disto está em causa neste referendo. O referendo pergunta apenas se se deve considerar crime a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas de gestação.
Apesar do esforço destas questões, elas não entram neste referendo. O que agora é importante e urgente, porque fundamental à luz da lei, é discutir, opinar e resolver o drama do aborto-crime-clandestino, que se vive num país que se quer desenvolvido e que continua a não conseguir condições (educacionais e de segurança, de trabalho e de forma geral de qualidade de vida), discriminando uma parte importante da população mais exposta.
Venha nesse contexto toda a moral. Debelem-se todos os dramas sociais da humanidade. A fome, a miséria, a guerra. Emprenhe-se toda a humanidade nessa missão. E todas as Igrejas do Homem. Mas não se use o referendo para perpetuar a miséria escondida, fazendo de uma acção que pode ser clínica (acompanhamento, ou mesmo interrupção), uma questão metafísica, supostamente moralizante, afirmativamente dogmática. Na lei Portuguesa o Aborto é um crime público. A mulher que o comete intenta contra o Estado.
Se o Sim for expressão da vontade do País ninguém é obrigado a contrariar a sua convicção. Se pelo contrário Portugal votar Não à descriminalização, continuará tudo na mesma. O aborto clandestino permanecerá, alimentando a economia paralela e as fortunas de quem se faz pagar pelo risco que corre. Como de resto é característico de qualquer negócio escuro. As raparigas e mulheres com menos posses continuarão a recorrer a veterinários, curiosos ou mesmo à auto-mutilação como forma de tentar resolver por si o que a hipocrisia e o relaxe de todos teima em não querer decidir, escondendo este drama na clandestinidade. Fingindo que não existe. O Não, pura e simplesmente finge que o aborto não é problema, pois não dá saídas realistas para esta chaga social. Condena ao desacompanhamento, ao desamparo e por vezes a uma má opção muitas mulheres e jovens portuguesas.
O Sim permitirá um acompanhamento adequado às mulheres tentadas em interromper a gravidez. Algumas poderão inflectir a sua opção, ajudadas na ponderação da sua decisão. O Não fecha a porta a qualquer acompanhamento concreto, remetendo para o campo dos valores intangíveis de uns, as realidades incompreendidas de outros.
O Sim permitirá acabar com um grave problema de saúde pública. O acompanhamento especializado, em local apropriado evitará o peso desnecessário sobre o sistema de saúde de todas as mulheres que todos os anos entram nos hospitais ou falecem após tentativa de aborto.
O Sim permitirá o conhecimento real e mensurável das causas de aborto, pelo conhecimento das mulheres que a ele recorrem. Conhecer as causas concretas é fundamental para resolver as situações onde incide este flagelo.
Por último, o referendo para a descriminalização ou criminalização do aborto até às 10 semanas é também uma questão de Género. Se o Não passar incide-se na discriminação continuada da mulher. Onde se encontra na lei a responsabilidade do homem que fecundou? De que forma é chamado à responsabilidade? Até onde vai a responsabilidade de todos nós, que fazemos este País, neste acto que ainda é crime público e que, por consequência, acarreta punição?
Ultimamente tem sido consensual, entre os convictos do Sim e os convictos do Não, que a mulher não deve ser punida por ter interrompido a Gravidez durante as primeiras 10 semanas. Mais confusão! Mas então porque não votam todos no SIM em conformidade com essa opinião? Ou será possível decretar um crime e não legislar o castigo correspondente? Não é tão só essa a questão que vai a referendo? Não se alcança a dúvida. A não ser que radique apenas numa convicção profunda, abstracta, feita em Dogma e por isso de difícil argumentação, afirmando uma qualquer razão, que alguns homens dizem, erradamente, de Deus.
Aos cristãos e católicos.
Apesar de não ser a igreja que vai a referendo, a sua voz é importante porque é ouvida. A igreja é um factor importante na sociedade portuguesa.
Sou cristão e posso escolher. Mas não tenho o direito de julgar nem condenar porque não sou omnisciente. Nem concedo à hierarquia da igreja católica o direito de se substituir a Deus. Até porque o que vai a referendo, torno, não é a Igreja católica nem o seu papel Social. Independentemente dos Dogmas eclesiásticos sobre a vida, ou propaganda sobre o altar. Jesus não era grande frequentador dos Templos. Correu mesmo com os vendilhões que se apropriavam do espaço sagrado. Não deixou que apedrejassem Maria Madalena. Hoje Santa. A lei canónica a que alguns padres se referem foi feita pelos homens. O Deus em que muitos acreditam quer a libertação dos homens e a construção de um mundo melhor. Não quer a dor a miséria, o castigo a fome e a guerra. Quer a ética sentida e consciente e não a moral feita de Dogma, de culpa e obrigação. Empenhe-se a igreja activamente nesta árdua tarefa de melhorar o mundo de amanhã, feito hoje de tanta miséria e fome, e não na substituição de Deus, julgando e condenando em vida ao “ Apedrejamento” legal, tantas mulheres.
Será consensual entre todos os católicos que fazem a Igreja a posição da Igreja católica sobre a interrupção voluntária da gravidez quando fruto de violação? Ou quando põe em causa a vida da mãe? Ou quando por desígnio que escapa, o feto é malformado? A ela, mãe, e à sua família cabe em primeira instância a tomada de decisão. Se a mãe, de forma consciente, quiser levar por diante uma gravidez que ponha em causa a sua vida, há que respeitar a sua opção. Se quiser ter o filho sabendo-o deficiente, tomando-o como responsabilidade suprema, respeite-se e admire-se. Afinal o que seria deste mundo sem todos os deficientes, mentais ou físicos por nascença? Mas até aqui a decisão, fundamentada em valores, fé ou outros desígnios compete à família e à mulher, centro desta decisão. Nada disto vai a referendo. Contudo, se o Sim representar a maioria da população, todas estas situações estarão consignadas.
Neste referendo não está em causa a perspectiva católica sobre a vida lato senso. Está em causa a descriminalização da interrupção da gravidez até às 10 semanas, por decisão voluntária da mãe, após período de reflexão.
O Sim abre todas as possibilidades. Não obriga ninguém a abortar. Pelo contrário compromete-nos a todos neste flagelo e ao Estado, que somos todos, na procura real de soluções. Não é por ser descriminalizado até às 10 semanas que o número de abortos aumentará. Poderá porventura aumentar a face visível deste flagelo. E aí, somos todos chamados a não fazer como Pilatos. Tenhamos todos, homens e mulheres, a coragem de nos comprometer no próximo domingo.
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